Quando uma criança chega na
clínica é trazida a maior parte das vezes pelos pais ou por um dos pais sempre muito dispostos a
ajudar o seu filho, pois não conseguem entender como ele traz dificuldades ou
dores emocionais já que ele é amado e recebe o que há de melhor. Mas quando me
volto para a criança e tento adentrar em seu mundo interior observo que ela é
apenas um reflexo do que nela está sendo construído, trazendo comportamentos e
defesas naturais aos estímulos do seu meio.
Volto aos pais e percebo o quão
difícil é construir em uma criança as experiências necessárias para a sua
formação emocional, social, biológica e espiritual. Não existe um manual e isso
os remete a repetir um modelo que neles foi aplicado, que acreditam que é
eficiente pelo resultado que trazem em suas vidas, mas que nem sempre atendem
as suas expectativas quando veem seus filhos em sofrimento.
Vou observar alguns pontos de
fundamental importância nesta relação e que pode nos levar a uma reflexão de
como estamos criando as relações com as crianças.
É importante que se construa uma relação
de intimidade com seus filhos. Eles precisam ser presentes na sua rotina, não
basta apenas criar rotinas e enlouquecer as crianças com tarefas e programas e
não ser parte nunca desta programação, como se quisesse apenas ocupa-lo para
minimizar o seu trabalho.
Se olharmos a fundo descobriremos
que este distanciamento se iniciou lá nos primeiros dias de sua vida, quando as
dificuldades para amamentação os levaram a optar pela substituição do seio pelo
leite NAN ou o cansaço excessivo, as noites exaustivas os levaram a colocar uma
babá durante a noite. Só terá intimidade com seu filho se for intimo de sua
rotina, ele se aproximará de você conforme sua presença na vida dele.
Outro ponto fundamental que
observo é que muito comumente se estabelece uma relação de troca com as
crianças com a tentativa de comprar um comportamento exemplar ou um bom
desempenho escolar como se fosse este o único recurso para que a criança conquiste
resultados satisfatórios. Ressalto que o mau comportamento está sempre atrelado
a uma necessidade de seu filho que você não está conseguindo perceber.
Quando compramos algo, não é o
produto específico que queremos. Quase sempre uma compra vem suprir uma
necessidade de afeto. Ao invés de barganhar com a criança, aproximar-se de seu
filho e entender as suas dificuldades, mostrar que você está ali para ajuda-lo,
dará uma nova experiência e o ajudará a ressignificar o modelo de relação que
estabeleceu.
É a culpa pela sua ausência, pela
sua falta, por não conseguir colocar seu filho como algo prioritário em sua
rotina o leva a tentar comprar aquilo que não consegue dar. Todo excesso esconde
uma falta, todo excesso de presentes, de recompensas representa a falta de
afeto que não consegue dar ao seu filho.
Um bom exercício é ao invés de
presentear apenas elogiar, mostrar seu orgulho, abraçar e beijar seu filho com
carinho, sem pensar em fazer outra coisa. Comemore com afeto as suas conquistas
para que seu filho não passe a vida inteira consumindo aquilo que ele não
recebeu na infância. Certamente mudando isso suprirá a necessidade que ele tem em
tirar notas baixas ou de apresentar um comportamento para ter a sua atenção.
Um terceiro ponto importante é
reconhecer as potencialidades de seu filho, isto quer dizer, entender que ele
tem habilidades com mais potencial do que outras. Se ele é ótimo em humanas ele
pode ter mais dificuldade em exatas, por exemplo, algo comum em todos nós. Mas
quando os pais exigem que o seu filho seja perfeito em todas as suas
atividades, ele constrói um sentimento que ele só será bom se ele for perfeito
em tudo, pois é somente quando ele traz esta perfeição que seus pais sentem-se
felizes e orgulhosos.
E como esta perfeição é algo intangível, a
criança sempre tem o sentimento que ele não é bom o suficiente para atender aos
desejos de seus pais e consequentemente não são merecedores de seu amor. Que
por ter restrições em alguns temas nunca conquistará o status que dele é
cobrado. Alguns irão sofrer a vida inteira buscando atender ao desejo dos pais,
enquanto outros quando percebem que isto é impossível irão transgredir para
distanciar-se desta cobrança.
Este comportamento vai se replicar na vida adulta
em seu trabalho, nas atividades em que tiver alguma subordinação, e o tornará uma
pessoa que faz tudo sempre para atender o desejo do outro, mesmo que não atenda
aos seus desejos. Na verdade, de forma inconsciente, ele estará sempre buscando
conquistar aos seus pais.
Construa experiências com seus
filhos. Dê a eles momentos na sua companhia que ficarão marcados para sempre.
Esteja presente de verdade, sem telefone, sem agenda, sem horários, sem
dividi-lo com suas outras prioridades. Não é a viagem para Disney que irá
marcar a infância do seu filho, é a experiência positiva de se sentir amado que
vai ter relevância real em sua vida. Se você estiver presente em um parquinho do
bairro certamente ele associará esta experiência como algo incrível, porque uma
boa companhia é sempre melhor do qualquer lugar deste mundo.
Para finalizar, este discurso de
que “eu não sei dar carinho” é apenas reflexo de uma infância com faltas, onde
seus pais também não souberam lhe dar carinho e de alguma forma fizeram e deram a você apenas aquilo que eles sabiam. Quebre este ciclo que foi trazido pelos seus pais, mude a forma de
demonstrar o que sente pelas pessoas, aprenda a abraçar, descubra que um simples
gesto vai dar a proximidade que falta na relação com as pessoas, que tudo que recebeu foi
o melhor que os seus pais conseguiram fazer, mas que modificar este modelo vai e libertar e libertar todas as suas próximas gerações deste sofrimento. Liberte-se para a vida e seja feliz!
Luís Guilherme Campos Santos